Halloween o ano
inteiro
De tanto ir a Disney-world, em Orlando, e
fazer compras em Miami, que é perto, brasileiros da classe média para cima
importaram o Halloween – uma festa besta, dedicada a bruxas, fantasmas,
monstros e outras aberrações. Os jornais mostraram o vice-presidente dos
Estados Unidos numa animadíssima fantasia de múmia. O grosso da petizada
prefere mesmo sair de bruxinha – as meninas ficam bonitinhas com as caras
pintadas e o visual, que na Idade Média era atribuído àquelas tripulantes de
vassouras mágicas. Tudo bem em seu tempo, lugar e modo. Não creio que o Brasil
precise fazer Halloween numa data marcada. Temos um desfile de múmias e
bruxinhas o ano todo, a qualquer hora. Quando venho para casa e paro no sinal
que dá acesso à Lagoa, todos os dias sou abordado por bruxinhas de verdade, de
carne e osso, mais osso do que carne.
Brincam tão bem que estendem a mão para o
trocado. A rotatividade dessas crianças folgazãs é impressionante. Fazem ponto
ali durante dez, 15 dias, depois desaparecem. Uma dessas bruxinhas me vendia
dropes de hortelã, eu comprava e dispensava o troco. Ela dizia obrigada.
Desapareceu. Perguntei por ela. Fora estuprada por um guarda folião que
comemorava seu Halloween particular vestido de policial. Brinca-se
sério no Halloween carioca. Quanto às múmias, também elas fazem Halloween o ano
todo.
Dispensam as ataduras que enfaixam o corpo. Vestem-se até razoavelmente
bem, com ternos bem-cortados e gravatas refulgentes. Estão em toda parte: no
governo, no Congresso, na equipe econômica, nas classes produtoras. São
políticos e técnicos mumificados pelo mercado. Assustam-se uns aos outros, mas
após a brincadeira confraternizam, bebem complicadas poções e comentam entre
risadas a boa atuação na grande festa neoliberal. Pedro Malan é o que leva mais
a sério a fantasia. Mendonça de Barros é o mais entusiasmado.
FOLHA DE SÃO PAULO. Opinião.
Outubro de 1998.