sábado, 13 de novembro de 2010

‘Não deixo não’

Essa postagem não é sobre a mania que nós, baianos, temos de negar duas vezes. A negação dupla mostrada no título foi proposital para responder ao pedido feito pelos cantores Belo e Ornella di Santis na música ‘Agenda’:


“Deixa eu errar
Pra esse amor eu quero me entregar
Quem sabe o meu dia vai chegar
Porque a vida sem você não faz sentido

Deixa eu tentar
É perigoso mas vou me arriscar
Com toda minha força vou lutar
Pra você ficar só comigo...”



Nada contra os dois cantores, é sério. A questão é esse pronome pessoal do caso reto sendo empregado incorretamente. Licenças poéticas à parte, vejamos as explicações.


As construções ‘deixa eu errar’ e ‘deixa eu tentar’ estão em desacordo com as regras gramaticais pelos seguintes motivos:

“Quanto à função, as formas do pronome pessoal podem ser retas ou oblíquas. RETAS, quando funcionam como sujeito da oração; OBLÍQUAS, quando nela se empregam fundamentalmente como objeto (direto ou indireto)” (Cintra & Cunha, 2007 P. 291)


1 ‘EU’ é um pronome pessoal do caso reto, por isso seria conveniente que funcionasse como sujeito de uma oração. Observe:
EU VOU À PRAIA.

TALVEZ EU VÁ CONTIGO.



Assim como o pronome ‘EU’, também os outros pronomes retos (tu, ele, nós, vós, eles) funcionam como o sujeito da oração:


NÓS COMEMOS OS DOCES.
VÓS OUVISTES A MÚSICA?

Não obstante, os mesmos autores afirmam que os pronomes pessoais do caso reto podem ser empregados como:




  • Predicativo do sujeito: “Vou calar-me e fingir que eu sou eu...” (A. Renault)
  • Vocativo: “Tu, que não sabes o que fazes, diz: há lei nesta terra?”
2 Os pronomes pessoais oblíquos (me, te, se, nos, vos) podem complementar verbos transitivos diretos ou indiretos, funcionando como objeto direto ou indireto. Veja:


O garçom ofereceu-me uma bebida.
Responderam a mim com delicadeza.

O que ocorre na construção de “deixa eu errar” é um pronome pessoal do caso reto sendo utilizado como um objeto direto.


Assim, ficariam de acordo com a Gramática normativa as construções: DEIXE-ME ERRAR OU DEIXE-ME TENTAR, tendo em vista que o verbo "deixar" é transitivo direto.


Aproveito pra reforçar que a 1ª pessoa do verbo, a qual deveria ter sido usada nesse refrão é ‘deixe’ e não ‘deixa’.


Quero ainda ressaltar que alguns artistas fogem às regras gramaticais para que obtenham melhores resultados, portanto não podemos simplesmente sair corrigindo esse ou aquele erro de uma música, de um poema ou qualquer outra obra literária. Grandes autores de nossa literatura utilizaram a chamada "licença poética", em obras (inclusive) consagradas.

Espero que vocês tenham entendido a explicação. Segue abaixo o clipe da música pra vocês apreciarem. Agora, deixem-me ir...


FUI!!!






Link do vídeo:


http://www.youtube.com/watch?v=ocH8XhkZ6Vo&feature=related